Por que o beija-flor se tornou um grande guerreiro…
Processo evolutivo explica como bicos delicados e finos se transformaram em armas fortes e afiadas
“Ave luminosa deste dia de verão,
Aonde vais no teu caminho solar?”
Provavelmente para um combate sangrento, é para lá que vai. John Vance Cheney é o autor deste verso, e tem uma ampla companhia de poetas, todos eles seduzidos pelas cores, pela beleza e por suas diminutas dimensões. Os aztecas não se deixaram enganar. O seu deus da guerra, Huitzilopochtli, era um beija-flor. Eles amavam a guerra, e também amavam a beleza das aves. Aparentemente, não viam qualquer contradição no casamento da beleza com a agressão sanguinária.
Os cientistas compreenderam que a agressão era um aspecto profundo e abrangente da vida do beija-flor. Mas eles também têm alguns pontos cegos. O casamento talvez perfeito das flores carregadas de néctar com bicos finos para sugá-lo claramente mostra que os beija-flores foram formados pela coevolução.
Ao que tudo indica, no começo, as plantas dominavam. Pela necessidade de polinizadores confiáveis, elas produziam flores com um formato que pedia bicos longos e finos. A evolução dos beija-flores levou a isto. Mas eles também ouviam o chamado para a batalha, o que exigiu um rumo diferente para a sua evolução. Alguns destes bicos delicados e finos se modificaram e tornaram-se armas fortes, afiadas e perigosas.
Em um estudo recente, Alejandro Rico-Guevara e outros pesquisadores em Berkeley, na Universidade da Califórnia, apresentaram em um vídeo em velocidade acelerada evidências de que eles usam seus bicos mortíferos nos conflitos entre machos. Os beija-flores os utilizam para eliminar os rivais por ocasião do acasalamento. É a seleção sexual, uma parte da seleção natural em que o aumento das chances de acasalamento é a força dominante.
Os machos usam os bicos para apunhalar outros machos e para guerrear – com fintas e defesas, às vezes derrubando a outra ave de um poleiro. Alguns inclusive têm bicos com ganchos na ponta, serrilhados, semelhantes a dentes de tubarão. O vídeo mostra os machos rasgando com estes ganchos as penas de outras aves.
As descobertas de Rico-Guevara e colegas também revelaram o seu processo inusitado para processar o açúcar, como usam a língua para beber o néctar, e a evolução do formato do bico. Rico-Guevara, que estudou as aves na Universidade Nacional da Colômbia sob a orientação de Gary Stiles, escreveu sua tese de doutorado sobre como as aves caçam insetos para suplementar a sua dieta de néctar, que é feita de puro açúcar.
Ao mesmo tempo, Margaret A. Rubega, uma bióloga da Universidade de Connecticut, publicou um trabalho sobre o fato de os beija-flores curvarem o bico para capturar insetos. Rico-Guevara acabou fazendo a sua pesquisa de mestrado em Connecticut com Rubega sobre a língua dos beija-flores.
A pesquisa foi um trabalho pioneiro. A ideia predominante sobre como as aves sugam o néctar era que o formato do bico e a língua produziam uma ação capilar, na qual o líquido sobe contra a gravidade por causa de forças mecânicas. É o que acontece quando um tubo estreito é mergulhado em um líquido.
Rico-Guevara e Rubega mostraram, ao contrário, que o método usado pelo beija-flor para alimentar-se é completamente diferente. Ele suga o néctar ao empurrar a ponta bifurcada da sua língua pelo bico estreito. Todos os beija-flores lutam, inclusive as fêmeas, mas somente algumas espécies possuem bicos que são verdadeiras armas. Rico-Guevara constatou que os machos lutam para se apossarem dos melhores territórios para o acasalamento.
Em algumas espécies, os machos se reúnem em áreas chamadas leks, longe das flores das quais eles se alimentam. Em um lek, cada macho tem um território, frequentado pelas fêmeas em busca de alimento. Os territórios são minúsculos – cerca de 25 metros quadrados. Os territórios centrais são os mais valorizados, e o bico em formato de espada ajuda o macho a conquistar e a manter o seu precioso território.
Em outras espécies dotadas também de bicos feitos como armas, os machos reservam para si territórios de acasalamento nos trechos mais ricos de flores, novamente lutando para expulsar os rivais. Segundo Rico-Guevara, a eles na realidade não importa se não são os mais eficientes sugadores de néctar – desde que “impeçam que outros cheguem perto da flor”.
A pesquisa sobre os beija-flores aprofundou-se também sobre todos os aspectos desta espécie, da aerodinâmica à maneira como ela processa a sacarose. Os beija-flores também oferecem “oportunidades para explorar os limites da fisiologia”, disse Rico-Guevara. Eles têm a taxa metabólica mais elevada entre os vertebrados, e são especializados em pairar no ar, “a forma de locomoção que mais despende energia na natureza”.
Coincidentemente, pairar no ar é uma maneira de voo de enorme interesse para os que projetam robôs voadores. “Todo mundo quer imitar o voo do beija-flor”, observou. Na lista das diversas áreas de interesse do estudo dos beija-flores, Rico-Guevara admitiu que se sente atraído por eles por outra razão.
“O que fez com que eu me dedicasse a estes pássaros é sua incrível personalidade”, ele explicou. “Eles são muito corajosos”. Quanto ao fato de os poetas se impressionarem com sua beleza, D. H. Lawrence imagina, em seu “Humming-Bird”, um pássaro mais antigo: “Provavelmente ele foi grande, como musgos, e pequenas lagartixas, dizem, outrora foram grandes. Provavelmente foi um monstro aterrador, com sua espada afiada.”
Fonte: Estadão